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Um novo tempo para As Mercenárias
É difícil de acreditar, mas tudo indica que amanhã, sábado, dia 16 de julho, é o primeiro show do grupo paulista As Mercenárias no Rio de Janeiro. No ano em que se comemoram 30 anos de lançamento do primeiro LP do grupo, o excelente ‘Cadê as armas?’, o trio se apresenta no Subúrbio Alternativo, em Brás de Pina, na Zona Norte, a partir das 17h. “Minha memória é completamente detonada, mas, pelo que me lembro, a gente tocou em Niterói, há muito tempo. A gente gravou no Rio, mas não lembro da gente ter feito nenhum show no Rio. Também, não é tão fácil levar uma banda alternativa”, comenta a vocalista e baixista Sandra Coutinho.
Ela é a única remanescente da formação original do grupo, que contava com Rosália (vocal), Ana Machado (guitarra) e Edgard Scandurra (bateria), logo substituído por Lou. O grupo de pós-punk fez barulho com o álbum de estreia, lançado pelo selo paulista Baratos Afins, que rendeu uma espécie de “hit alternativo” atemporal, “Me perco nesse tempo” (regravada pelo Ira! em 1996 e ano passado pelo Metá Metá). Elas acabaram chamando a atenção de uma grande gravadora, a EMI, por onde sairia o segundo e último disco da banda, ‘Trashland’, de 1988. Apesar de bem-recebido pela crítica, ele não foi muito trabalhado pela gravadora, que acabou dispensando as Mercenárias. Logo em seguida, a banda se separou e Sandra foi para Berlim, onde seguiu fazendo música, no cenário alternativo.
Hoje, é formado por ela, Silvia Tape (guitarra), namorada e parceira musical de Scandurra, e Michelle Abu (bateria). “Depois de um tempo, voltei como trio. Essa jornada toda das Mercenárias agora, a gente toca o repertório que já tem. Existem algumas coisas novas, composições minhas… Com essa formação nova, a gente chegou a compor, mas fiquei em dúvida se lançava essas músicas com o nome Mercenárias”, diz Sandra. “Eu gosto das composições que a gente fez, mas fica difícil de denominar. A banda anda porque chamam, porque convidam a gente pra tocar. Eu agora estou querendo fazer meu trabalho, mostrar um outro lado meu, autoral. Pra mim, agora tá mais urgente fazer isso, e depois penso se vou colocar mais lenha na fogueira. A gente não fica parada. A voz da Rosália faz muita falta, mas… (suspira) paciência.”
Embora ela considere fundamental a passagem de Edgard Scandurra (“A gente saiu do porão por causa dele. Ele praticamente criou a linguagem da bateria, a linguagem da banda somos nós quatro, Edgard, Sandra, Rosália e Ana. Depois a Lou veio e incorporou”, garante), As Mercenárias ficaram para a história com uma banda de mulheres em um meio dominado pelos homens, ainda mais pelo tipo de som que o grupo fazia. Ela garante, no entanto, não ter sofrido muito com o machismo na época. “As Mercenárias sempre foram bem-recebidas. Pequenas indisposições de técnicos de som não foram barreiras, muito pelo contrário, mais uma razão para saber como dizer o que se quer dizer”, defende.
E o que ela acha do crescimento do feminismo no Brasil nos últimos tempos? “Eu penso que a informação é a melhor arma para ter consciência de si e de seu meio. A intolerância e o preconceito são resultados da forma como a sociedade está estruturada, na verdade, é o que alimenta o sistema. A solução não são a concorrência e a competição, mas a cooperação”, acredita Sandra. “Vejo que, sim, hoje em dia as mulheres estão dando mais ouvido para suas necessidades e batalhando por elas, eu não chamo isso de crescimento do feminismo, mas de conscientização. As palavras-chave são consciência, criatividade, e romper padrões”, conclui.
Kamille Viola é jornalista, ama pós-punk e acha As Mercenárias uma das bandas mais interessantes dos anos 80 no Brasil. E-mail: kamille.viola@revistavertigem.com
Foto do destaque: A formação clássica das Mercenárias. Foto: Rui Mendes